“Se Está Caro, Não Compre”

“Se Está Caro, Não Compre” — Por Que Essa Lógica Não Funciona na Economia Real


Recentemente, a polêmica em torno da alta dos preços de produtos essenciais, como café e ovos, trouxe à tona um debate sobre a responsabilidade da inflação. Em meio a essa discussão, o atual presidente declarou em uma entrevista: “Se está caro, não compre.” A frase gerou reações diversas, com muitos apoiadores defendendo a ideia de que a alta dos alimentos é culpa exclusiva dos produtores ou de empresários que estocam mercadorias para inflacioná-las. Mas será que essa visão faz sentido?
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Quem é o verdadeiro responsável pela alta dos preços?


Embora existam casos isolados de especulação, a macroeconomia não funciona de forma tão simplista. Os preços dos alimentos e de outros produtos essenciais são influenciados por uma série de fatores, incluindo a política econômica do governo, a oferta e demanda global, a cotação do dólar, o custo dos insumos, a logística de transporte e até eventos climáticos que afetam a produção.

O governo tem um papel central na regulação da economia por meio de políticas fiscais, controle da inflação, definição de taxas de juros e incentivos à produção. Ignorar essa responsabilidade e transferi-la exclusivamente para produtores ou empresários é uma visão limitada do problema.

Foto: Reprodução Correio Brasiliense



A Economia é um Sistema Orgânico


Dizer para as pessoas simplesmente não comprarem um produto caro desconsidera a complexidade da economia. Tudo está interligado. Se uma confeiteira deixar de comprar ovos por causa do preço elevado, como ela produzirá seus bolos e garantirá sua renda? Se um vendedor de café parar de vender devido ao alto custo do produto, como ele sobreviverá?

Além disso, muitos setores da indústria dependem diretamente desses produtos e não podem simplesmente “deixar de comprar”. Restaurantes, panificadoras, fábricas de biscoitos, cafeterias e outros negócios necessitam desses insumos para operar. Um boicote forçado geraria uma reação em cadeia, afetando empregos, o consumo e, ironicamente, podendo até piorar a situação econômica.

A Cesta Básica e o Impacto na Inflação


A alta dos preços não afeta apenas produtos isolados como ovos e café, mas também itens essenciais da cesta básica, como arroz, feijão, leite, óleo, farinha, carne e pão. Esses são produtos indispensáveis na alimentação da população brasileira e fazem parte da lista de compras de praticamente todas as famílias. Logo, seguir a lógica do presidente e simplesmente “não comprar” não é uma opção viável para a maioria das pessoas, pois esses itens são essenciais para a subsistência.

Quando o preço desses produtos aumenta, toda a economia sente o impacto, pois eles influenciam diretamente a inflação e o poder de compra da população. A cesta básica mais cara significa menos dinheiro disponível para outros gastos, afetando o comércio e reduzindo a qualidade de vida das pessoas.

O Que Realmente Pode Ser Feito?


Ao invés de simplificar a questão com frases de efeito, o governo poderia adotar medidas eficazes para conter a inflação, como:
  • Redução de impostos sobre itens essenciais para aliviar os custos para consumidores e produtores;
  • Incentivo à produção agrícola e industrial para aumentar a oferta e estabilizar preços;
  • Controle da taxa de juros para evitar encarecimento do crédito e queda do consumo;
  • Investimento em logística para baratear o transporte de mercadorias.

A inflação é um problema real e complexo, que exige soluções estruturais e planejamento econômico. Transferir a responsabilidade para consumidores e empresários, sugerindo que simplesmente deixem de comprar produtos essenciais, não apenas falha em resolver a crise, mas também revela um profundo desconhecimento sobre a dinâmica econômica. 

Antes de aderirmos cegamente a declarações irresponsáveis movidas por viés político, é fundamental reconhecer que a economia é um sistema interdependente, no qual o Estado tem o dever de garantir o bem-estar da população. A verdadeira questão não é se devemos deixar de consumir, mas sim se temos uma gestão eficiente e comprometida em enfrentar os desafios econômicos com responsabilidade.



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