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Síndrome de Cotard: Quando a Vida se Torna uma Ilusão de Morte. 

Tempo de leitura 2 mnutos.


Introdução

A Síndrome de Cotard é uma condição psiquiátrica rara que se caracteriza por delírios de imortalidade e pela crença na inexistência do próprio corpo ou de algumas de suas partes. Pessoas com essa condição negam a própria existência, reclamam de dores intensas sem apresentar sinais de doença ou afirmam que seus órgãos não funcionam mais, acreditando que a morte é a única saída.


O Enigma da Síndrome de Cotard

A síndrome de Cotard (SC) é uma condição rara caracterizada por melancolia ansiosa, delírios de não existência, relativos ao próprio corpo e delírios de imortalidade. Esses delírios foram relatados primeiramente em 1788 e a síndrome foi descrita pela primeira vez por Jules Cotard em uma conferência proferida por ele em 28 de junho de 1880. Cotard descreveu a síndrome como um delírio de negação, que podia variar desde a negação de partes do corpo do paciente até a negação de sua própria existência.

O termo foi popularizado por Jules Séglas, que relatou o caso de um homem com delírios de negação de órgãos, de condenação e de imortalidade. Em 1995, pela primeira vez, foi proposta uma classificação da síndrome com base em evidências, usando análise fatorial dos casos publicados.

Neste post, relataremos, casos reais de pacientes com SC internados, que ilustra a complexidade dessa condição. As histórias revelam os desafios e o sofrimento, enfrentados tanto pelo paciente quanto por sua família e pelos profissionais de saúde que o trataram.

Foto: Canva



O Caso de Mademoiselle X: O Primeiro Relato da Síndrome de Cotard.

Em 1880, o neurologista francês Jules Cotard apresentou o caso de Mademoiselle X, marcando um momento crucial na história da psiquiatria. Esse relato estabeleceu as bases para a compreensão da Síndrome de Cotard, uma condição rara caracterizada por delírios de negação profunda. A paciente, conhecida como Mademoiselle X, apresentava uma constelação de sintomas que desafiava a medicina da época.

Um dos sintomas mais marcantes, era sua crença inabalável de que estava morta. Essa convicção se estendia à negação completa de sua própria existência física, incluindo a ausência de cérebro, nervos, peito e órgãos internos. Paradoxalmente, ela afirmava não ter sangue, portanto, ser imortal. Essa combinação de negação da vida biológica com a afirmação de imortalidade destacava a natureza complexa e perturbadoramente lógica dos delírios de Mademoiselle X.

A recusa em se alimentar, baseada na negação de seus órgãos internos, levou à sua morte por inanição. Cotard observou que, apesar de sua saúde física, mademoiselle X demonstrava profundo desespero e apatia, comportamento totalmente alinhado com seus delírios.

Através de sua publicação intitulada “Du délire des négations”, Cotard apresentou o caso de Mademoiselle X à comunidade médica, detalhando seus sintomas e comportamento. Esse trabalho pioneiro contribuiu significativamente para a compreensão de doenças mentais que envolvem delírios severos, abrindo caminho para uma maior exploração das psicoses e das condições que distorcem a realidade.

O Caso do Paciente 1.


O paciente, do sexo masculino, com 66 anos, foi admitido na enfermaria de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE) em 02 de outubro de 2012. Ele havia sido transferido da enfermaria de clínica médica do Hospital Universitário B (HUB), onde permaneceu internado por 32 dias devido a um quadro depressivo grave com sintomas psicóticos refratários à farmacoterapia. O início dos sintomas ocorreu dois anos antes da internação, após o paciente ter sido vítima de um golpe por um cliente. Nesse período, ele passou a apresentar tristeza, anergia, desânimo, anedonia e perda de apetite (30 kg). Relatava que sua comida estava envenenada e se recusava a se alimentar, alegando que sua garganta estava “tapada”. Além disso, verbalizava perseguição, ameaças e roubos. Isolava-se, negligenciava a higiene pessoal e evoluiu com recusa total de ingestão alimentar e hídrica. O paciente não possuía histórico psiquiátrico prévio e havia sido submetido há lobectomia pulmonar direita 45, anos antes devido à tuberculose. Também não apresentava histórico de trauma. A investigação familiar revelou um irmão com transtorno psiquiátrico não especificado, segundo os acompanhantes.

O Caso do Paciente 2.


Este caso se refere a uma mulher de 60 anos, vendedora de bebidas, sem histórico de doenças mentais. Seus sintomas tiveram início em janeiro de 2002, após a descoberta da infidelidade do marido com quem vivia há mais de 50 anos. A paciente relatava consumo de bebidas a cada duas semanas por vários dias, o que a levava à embriaguez. Esse hábito era mantido há mais de 20 anos. A descoberta da traição gerou sentimentos de “tédio e tristeza”, expressos constantemente pela paciente.

Os sintomas da paciente iniciaram-se após a descoberta da infidelidade, com queixas de constipação e dor abdominal de início súbito. Seus familiares relatavam que ela se sentia “congelada e rígida”, sem forças para realizar atividades. Buscou atendimento em diversas clínicas e hospitais, principalmente devido à prisão de ventre, “desconforto abdominal”. Posteriormente, passou a apresentar dificuldade para respirar e sensação de sufocamento. A família também relatou insônia generalizada, hiporexia, ansiedade e inquietação.

Exames médicos e meios de diagnóstico não revelaram nenhuma doença física. Cinco meses após o início dos sintomas, a paciente passou a afirmar estar morrendo, “dando uma bênção” aos familiares e afirmando estar “quase morta ou morta”. Foi então encaminhada para avaliação psiquiátrica em junho de 2003.

Durante a avaliação, a paciente insistia estar morta, que sua carne iria cair e que seu corpo estava congelado e rígido. Segundo ela, esses sintomas eram comuns em pessoas mortas ou prestes a falecer. Ela expressou: “Não estou viva; com essa doença, esse acidente que tive, fui para a cama bem e levantei doente, congelada. Não tenho apetite. Sinto que não entra ar, não sei, não consigo respirar, não consigo evacuar”.

A paciente foi internada com diagnóstico de episódio depressivo. Durante a internação, foram realizados exames par aclínicos, incluindo uma ressonância magnética cerebral, na busca por uma etiologia orgânica para os sintomas, porém, sem resultados conclusivos. Devido à sua crença de que não precisava comer, ela recusava-se a se alimentar, o que eventualmente levou à sua morte por inanição.


Sintomas da Síndrome de Cotard

Os sintomas variam em gravidade. Os principais incluem:

  • Delírios de Negação: A crença de que partes do corpo, órgãos internos ou até mesmo a própria existência foi perdida.
  • Depressão Severa: A maioria dos pacientes apresenta depressão profunda, acompanhada por sentimentos de desesperança e inutilidade.
  • Anedonia: Perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas.
  • Automutilação: Em casos extremos, o paciente pode tentar se ferir para “comprovar” a inexistência percebida.

Causas e Fatores de Risco!

As causas exatas não são bem compreendidas, mas vários fatores contribuem:

  • Transtornos Psiquiátricos: A Síndrome de Cotard é frequentemente associada a depressão severa, esquizofrenia e transtornos bipolares.
  • Lesões Cerebrais: Danos ou disfunções em áreas específicas do cérebro, como o córtex parietal ou o lobo temporal, podem estar envolvidos.
  • Condições Neurológicas: Doenças como Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla também foram associadas ao surgimento do delírio de negação.

Impactos na Vida Pessoal e Social

A Síndrome de Cotard impacta significativamente a vida do indivíduo, incluindo:

  • Isolamento Social: A crença na própria inexistência pode levar ao afastamento de amigos e familiares.
  • Negligência Pessoal: Pacientes podem negligenciar a higiene pessoal, alimentação e outras necessidades básicas.
  • Risco de Suicídio: Devido à depressão severa e aos delírios, há um risco aumentado de comportamentos suicidas.

Tratamento da Síndrome de Cotard


Eletroconvulsoterapia (ECT):


A ECT é frequentemente considerada uma das opções mais eficazes, especialmente em casos graves ou refratários a outros tratamentos. Ela envolve a indução de crises convulsivas controladas para proporcionar alívio dos sintomas psiquiátricos.

Psicofármacos:

  • Antidepressivos: inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), tricíclicos e outros tipos de antidepressivos podem ser usados para tratar a depressão subjacente.
  • Antipsicóticos: medicações como olanzapina, risperidona e outros podem ser prescritos para tratar os delírios e outros sintomas psicóticos.
  • Estabilizadores de humor: podem ser utilizados, especialmente se houver componentes de transtorno bipolar.
  • Terapia Combinada: muitas vezes, uma combinação de ECT e medicamentos é utilizada para maximizar a eficácia do tratamento.

Psicoterapia: a psicoterapia, especialmente a terapia cognitivo-comportamental (TCC), pode ser útil como complemento aos tratamentos médicos. Ela pode ajudar os pacientes a lidar com os aspectos emocionais e cognitivos dos delírios.


Hospitalização:

Em casos graves, pode ser necessária a hospitalização para garantir a segurança do paciente e a administração adequada dos tratamentos.

Conclusão.

Apesar de rara, a SC é uma condição ainda presente nos serviços de psiquiatria e possui características clínicas que lhe dão certa peculiaridade nos manejos diagnóstico e terapêutico. Por isso mesmo, os clínicos devem estar atentos ao seu rápido reconhecimento e tratamento, de modo a evitar sofrimentos desnecessários.




Já se deparou com alguém que questiona sua própria existência?

Imagine alguém que nega sua própria vida, como se já estivesse morto. Essa experiência peculiar pode ser um indicativo da Síndrome de Cotard.

Conhece alguém que se queixa de dores intensas, mas não apresenta nenhum sinal físico de doença?

Essa dissociação entre a percepção subjetiva de dor e a ausência de sinais objetivos pode ser um sintoma da Síndrome de Cotard.

Já ouviu alguém declarar que seus órgãos estão apodrecendo, que seu corpo não funciona mais e que a morte é a única saída?

Essa crença delirante de que o corpo está em decomposição, mesmo com sinais vitais normais, é um dos principais sintomas da Síndrome de Cotard.




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