TRAGÉDIA NO RIO GRANDE DO SUL: UM ATO DE DEUS?

Calamidades Naturais, Sofrimento e a Visão de Deus.


Ao contrário do que muitos pensam e pregam, Deus não é um carrasco vingador, embora Ele ame a justiça, essa não vem por meio da dor alheia, mas sim da transformação da nossa mente em amar uns aos outros, da forma como Deus nos ordenou.


Introdução:

A humanidade sempre enfrentou uma série de desastres naturais, alguns completamente novos em nossa experiência. As fortes chuvas no Rio Grande do Sul e o aumento do calor e da seca em outras regiões do Brasil são exemplos recentes. Embora não seja especialista em clima, analiso as raízes do sofrimento humano e as interpretações religiosas que o associam à punição divina.

Conhecimento Limitado e Calamidades Recorrentes:


Nosso conhecimento sobre o clima e eventos milenares é limitado. Calamidades sempre existiram e continuarão existindo. No entanto, ao acompanhar catástrofes, observo que muitos cristãos as atribuem a um “ato de Deus”. Indivíduos, possivelmente motivados por fanatismo religioso, que em momentos de dor, culpam as pessoas pelos seus pecados ou a desobediência, propagando a ideia de um “castigo divino”. A pandemia de COVID-19, as chuvas no Rio Grande do Sul e os tornados são vistos como exemplos dessa crença.

Este post não visa apresentar uma visão bíblica das calamidades, mas sim investigar as motivações por trás dessa crença e a atribuição a Deus de um papel punitivo e vingativo, contrastando com a imagem de um Deus pacífico, amoroso.

Foto: Ricardo Stuckert/PR


Contexto Brasileiro:

O Brasil, com mais de 60 milhões de fiéis evangélicos, concentra a segunda maior comunidade cristã do mundo. Em momentos de tragédia, comentários sobre “vingança divina” são frequentes, como nas enchentes do Rio Grande do Sul, associadas à desobediência a Deus.


Análise Numérica:
Segundo o IBGE, o Rio Grande do Sul possui mais de 11 milhões de habitantes, com 18% se identificando como cristãos evangélicos, totalizando mais de 2 milhões de pessoas. Dividindo esse número pelos 497 municípios, temos cerca de 4 mil cristãos por município.

Refutando a Ideia de uma Punição Coletiva:


Em Gênesis, Abraão questiona Deus se destruiria a cidade de Sodoma e Gomorra, caso houvesse justos na cidade. A resposta foi clara: não. Logo, podemos concluir que: não há nenhum crente fiel no sul do Brasil? O que me parece improvável, ou a visão dessas pessoas, que atribuem a tragédia do sul a falta de obediência a Deus, esta completamente deturpada, ou fazem simplesmente por falta de conhecimento na palavra. Pessoalmente, não creio em um Deus vingativo. Deus foi claro a Abraão, então, porque ele mandaria chuva para destruir povo do Sul, somente por conveniência? Não faz sentido.


Mas quais são as razões que levam as pessoas a esse tipo de pensamento e comportamento?

A multiplicação de igrejas no Brasil, em contraste com a estagnação da educação, levanta a questão da qualidade do discernimento e da empatia, demonstrados por alguns líderes e praticantes religiosos. A ausência de intenção maliciosa não descarta a possibilidade de uma crença na superioridade religiosa de um grupo em relação aos demais, o que se manifesta em pregações desprovidas de conhecimento bíblico e embasamento teológico. Uma busca pelo dom espiritual, principalmente em pregar, sem o acompanhamento de uma formação adequada, pode levar à disseminação de ideias errôneas e à distorção da mensagem religiosa, exacerbando o problema da intolerância e da manipulação em nome da fé.

E por que atribuem a Deus o poder de ora ser, um vingador implacável e, ora, um Deus calmo e pacífico, quando as convém?

Como disse acima, pode ser por falta de discernimento espiritual, ignorância religiosa ou simplesmente a conveniência de promover o próprio sucesso sobre a dor alheia, especialmente em uma era onde a busca por engajamento permeia todas as esferas da vida. A pregação de um domingo, por exemplo, que atribui o sofrimento individual à desobediência, à falta de dízimo, à ausência na igreja ou à prática de paganismo, explora a fragilidade humana e, infelizmente, encontra terreno fértil em um público carente de discernimento. Tal atitude, além de gerar engajamento e propagação, demonstra uma tendência humana de atribuir o sofrimento à culpa do outro quando lhe convém, construindo uma imagem de um Deus misericordioso para uns e vingativo para outros, dependendo da situação.

Contexto Histórico e Cultural:

A aparente contradição entre um Deus vingativo e um misericordioso pode ser compreendida, em parte, pelo contexto histórico e cultural na qual a crença em Deus se desenvolveu. Em sociedades antigas, a justiça muitas vezes se manifestava por meio da vingança, e a punição era vista como um meio de restaurar o equilíbrio. Essa perspectiva influenciou a concepção de um Deus vingador, que retribuía os atos pecaminosos com rigor.


No entanto, a evolução do pensamento religioso também trouxe consigo a ideia de um Deus de amor e compaixão. Essa perspectiva, que enfatiza o perdão e a redenção, contrasta com a imagem do Deus vingativo. Essa dualidade, no entanto, não é necessariamente uma contradição, mas sim uma expressão da complexidade de tentar entender a natureza divina.

Sensacionalismo na dor!

A atribuição de características contrastantes a Deus pode também servir como um instrumento de controle social. A promessa de recompensa para os justos e punição para os pecadores podem incentivar a obediência e a conformidade com as normas sociais. Essa dinâmica se torna ainda mais complexa ao considerar a possibilidade de exploração, onde a dor e o sofrimentos alheios são utilizados para gerar engajamento e mobilizar pessoas, utilizando-se da dor de um semelhante, sem ao menos entender o contexto e o real motivo do porquê certas calamidades acontecem.


A pregação que usa o medo da vingança divina como ferramenta de mobilização e controle é um exemplo preocupante dessa exploração. A promessa de punição para aqueles que não se conformam às regras e doutrinas religiosas pode gerar um clima de culpa e medo, manipulando a fé das pessoas para fins próprios. Essa prática, além de ser moralmente questionável, pode ter consequências negativas para a sociedade, gerando divisão e intolerância religiosa.

Por que essas calamidades acontecem?

À Terra, um planeta com mais de 4 bilhões de anos, já testemunhou a ascensão e queda de diversas civilizações e grupos religiosos. Nós, seres humanos, com uma história curta de aproximadamente 200 mil anos, somos apenas um capítulo recente nesse grandioso livro. As calamidades que assolam o planeta, como a recente tragédia no Rio Grande do Sul, nos confrontam com a força bruta e imprevisível da natureza, suscitando questionamentos sobre a razão de tais eventos.

É tentador buscar explicações morais para as calamidades, atribuindo-as a um castigo divino por pecados ou desobediência. No entanto, essa perspectiva ignora a complexa e colossal força da natureza, que opera por leis físicas e não por julgamentos morais. Acredito fielmente que Deus, ao criar à Terra, concedeu provavelmente a ela uma força moderadora, mas não consciente, como nós. Essa força não distingue entre pecadores e justos, desobedientes e obedientes. Um tornado, por exemplo, devasta tudo em seu caminho sem discriminação, impulsionado por uma energia cega e poderosa.

A tragédia no Rio Grande do Sul nos demonstra brutalmente a força da natureza. As chuvas torrenciais, que se abateram sobre a região, foram um evento natural, sem qualquer ligação com o comportamento moral dos habitantes. As catástrofes naturais não são um castigo, mas um lembrete da nossa vulnerabilidade em face da grandiosidade e imprevisibilidade da natureza.

É compreensível que, diante de tamanha dor e sofrimento, a mente humana busque explicações e consolo. Mas a busca por culpados, seja em Deus ou nos homens, obscurece a real dimensão da tragédia e do evangelho de Cristo e a necessidade de ação prática.

“Onde estava Deus na tragédia do Rio Grande do Sul?”

A ansiedade por justiça e compreensão, ignora que a tragédia nos pede uma profunda reflexão, na qual somos criados à imagem e semelhança de Deus. Ao agirmos com amor e compaixão uns pelos outros, revelamos a verdadeira face D'ele. No momento da tragédia, a força da natureza se impôs, mas a força do amor humano também se manifestou com mais intensidade. A solidariedade, a compaixão e a união de pessoas de diferentes crenças, classes sociais e origens, em prol do próximo, demonstram a capacidade humana de superar a dor e o desespero.

E o segundo é semelhante a ele: 'Ame o seu próximo como a si mesmo'. Mateus 22:37-39


O amor ao próximo, como nos orienta a Bíblia, se revela em ações concretas de ajuda e apoio. As pessoas se uniram para socorrer os necessitados, demonstrando que a fé em Deus se traduz em atos de compaixão e amor. O trabalho incansável de voluntários, bombeiros, policiais e outras instituições, unidos por um único objetivo: o bem-estar do próximo, demonstra a força transformadora do amor em meio ao caos.

As calamidades são um evento natural, mas a resposta humana a elas é que define a nossa verdadeira natureza. Em vez de buscar explicações divinas para o sofrimento, devemos nos concentrar em ações que aliviem a dor, reconstroem o que foi perdido e fortalecem a nossa humanidade. O Rio Grande do Sul nos mostra que, mesmo em meio à tragédia, a força do amor e da solidariedade humana pode superar qualquer obstáculo.

Conclusão: 


Em meio à dor e à perda que as tragédias trazem, a necessidade de compaixão e união é importante. É nesse momento que a verdadeira natureza do amor deve se manifestar, não em julgamentos ou apontamentos, mas em ações concretas de apoio e solidariedade. 

A busca por culpados ou a análise de erros, por mais legítima que possa parecer, torna-se irrelevante diante da imensidão da dor. A prioridade, é auxiliar o próximo, oferecendo conforto, amparo e suporte prático. É nesse espírito de compaixão que a verdadeira essência do amor de Deus se revela.

É notável, inclusive, como muitos, independentemente de suas crenças ou convicções religiosas, se mobilizam em prol do bem comum, demonstrando um amor que, em muitos casos, supera o discurso e a prática de alguns que se dizem seguidores de preceitos religiosos.  

Diante dessa realidade, urge uma profunda reflexão: antes de tecer qualquer comentário sobre a dor alheia, é fundamental olhar para dentro de si mesmo e examinar a própria fragilidade e falhas. Julgar o próximo, quando nós mesmos estamos em pecado, demonstra uma cegueira moral e espiritual. 

Em tempos de tragédia, o amor verdadeiro se manifesta na compaixão, na solidariedade e na ação. Que estejamos atentos a essa verdade e que nossas ações reflitam o amor que tanto apregoamos, demonstrando que a fé, a esperança e a caridade são bons pilares da nossa fé em Deus.



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